Acuracidade de estoque em logística de medicamentos e produtos para a saúde
Inventário é a ação de contar o estoque físico e comparar com o estoque sistêmico, com o objetivo de eliminar as distorções entre estes estoques e apurar o resultado da empresa. A acuracidade de estoque (inventory accuracy) é a eficácia dos controles da empresa e reflete a diferença entre o estoque físico e o sistêmico. O cálculo é obtido por meio da divisão entre o valor contábil do estoque físico por Stock Keeping Unit (SKU) – Unidade de Controle de Estoque, conforme contagem do inventário e o estoque contábil ou estoque reportado pelo sistema antes dos ajustes de inventário.
A acuracidade de estoque é um dos principais Key Performance Indicators (KPI) ou Indicadores de Performance Chave que refletem os direcionadores (drivers) de valor estratégico, podendo ser mensurada periodicamente nos inventários rotativos e contabilizada no inventário Global, os quais, muitas vezes, ocorrem apenas uma vez por ano.
Em uma operação logística complexa, a filosofia de outsourcing ou terceirização de gestão, que delega a provedores especializados a movimentação de mercadoria, é muito utilizada devido a este processo não fazer parte do negócio central (core bussiness) da empresa, sendo a acuracidade de estoque um importante driver para a cobrança de multas contratuais do depositante (contratante) ao operador logístico (contratado). Este acordo é denominado Service Level Agreement (SLA) ou acordo sobre o nível de serviço, que analisa a qualidade da operação e vincula ao contrato de terceirização.
Segundo pesquisa, o indicador de acuracidade do estoque atinge, em média, no Brasil, 95%, sendo que as melhores práticas de mercado têm índice de 99,95% em países como o Japão e os Estados Unidos da América (EUA).
A proposta deste artigo é demonstrar, com um estudo de caso (case), as ferramentas utilizadas no levantamento das causas, as tecnologias e as ações realizadas para elevar este importante indicador de desempenho às melhores práticas de mercado, tendo em vista as características específicas para a movimentação de medicamentos e produtos para a saúde.
Peculiaridades do segmento de medicamentos
Nas operações de movimentação e armazenagem de medicamentos e produtos para a saúde encontram-se algumas características que exigem uma complexidade técnica e sistêmica mais elaborada como:
▪ Princípios ativos iguais para itens comerciais diferentes;
▪ Multiplicidades de embalagens diferentes;
▪ Controle de lote e validade;
▪ SKU sem EAN freqüentes em materiais para a saúde;
▪ Acondicionamento específico segundo normas do segmento;
▪ Controles rígidos de temperatura e umidade;
▪ Unidade de manipulação muito pequena;
▪ Grandes volumes de atendimento.
Levantamento das causas
Na busca de oportunidades de melhoria foi utilizado o Método de Análise de Solução de Problemas (MASP), pois propicia a utilização das ferramentas da qualidade de forma ordenada e lógica, facilitando a análise de problemas, a determinação de suas causas e a elaboração de um plano de ação para a eliminação dessas falhas.
Para o levantamento das causas prováveis foi utilizada a ferramenta da qualidade Diagrama de Ishikawa, popularmente conhecida como diagrama “Espinha de Peixe”, utilizada para facilitar a interpretação e a identificação das causas do problema, analisando a relação de causa e efeito, por meio dos seis M (meio ambiente, mão-de-obra, método, matéria-prima, máquinas e equipamentos e medidas).
Após as causas levantadas, utiliza-se o Gráfico de Pareto para determinar o impacto de cada causa, segundo levantamento de ocorrência.
Diagrama de Ishikawa
Seguem as principais causas conforme as análises de divergências levantadas no estudo de caso da acuracidade de inventário:
▪ A deficiência de matemática básica foi uma grande surpresa no levantamento das causas. Os erros de contagem na separação e conferência decorriam mais por falta de matemática básica e lógica do que por falta de atenção. Para constatar o levantamento realiza-se uma prova com todos
os operadores de separação e conferência, medindo o conhecimento das propriedades básicas
e lógicas, porém menos de 10% da equipe conseguiu atingir a média pretendida de 70%;
▪ A troca de produtos no ato da separação era alto, principalmente com os materiais médicohospitalares, por não possuírem o código de barras reconhecido universalmente pela European Article Numbering (EAN), somado à grande similaridade visual dos itens;
▪ Dificuldade no gerenciamento de análise de divergência e inventário rotativo devido à separação ser realizada em picking list, pois sua baixa ocorria somente ao final da coleta, deixando a posição
de armazenagem desatualizada durante o processo de picking;
▪ A presença de um mesmo item espalhado em diversas ruas e misturado em uma mesma posição com outros itens dificultava a contagem e análise de divergência de uma separação.
Ações implementadas
Realizou-se uma reunião com os responsáveis pelas áreas envolvidas na qual foi utilizada a técnica de brainstorming, em que a equipe multidisciplinar apresenta suas idéias, sem censura, para as possíveis ações a serem tomadas. Esta técnica visa a quantidade de idéias e a forma de organização das mesmas para um melhor resultado das ações.
Após este levantamento foi utilizado o Sistema GUT (Gravidade, Urgência e Tendência), para determinar quais ações deveriam ser priorizadas para a melhor construção do plano de ação. Assim, utiliza-se a Tabela 1 a seguir para pontuar cada ação de acordo com o seu impacto. Com isso, as ações realizadas segundo os métodos descritos anteriormente e estudo de caso em análise foram:
▪ Treinamento de matemática básica, lógica e conceitos básicos de medicamentos e produtos para a saúde, conseguindo recuperar 70% das equipes deficientes de coleta, conferência e entrega;
▪ Reformulado o processo de recrutamento e seleção com a inclusão de prova e análise de Predictive Index (PI);
▪ Realizadas transferências internas para a adequação quanto ao perfil do colaborador e ao perfil da vaga;
▪ A melhoria nas equipes de coleta, conferência e entrega após os treinamentos realizados, reformulação do recrutamento e as transferências internas de colaboradores resultaram em uma significativa melhora na acuracidade de entrega, devido a uma melhor interpretação dos produtos e cálculo preciso para as quantidades requisitadas;
▪ Utilizados coletores de rádio freqüência em 100% das coletas, assim, a baixa do estoque na posição de armazenagem ocorreu no ato da separação. Conseguindo saber a qualquer momento a quantidade exata de um SKU em estoque, essa alteração viabilizou o inventário rotativo e a análise de divergência de coleta;
▪ Implantação do conceito de local cativo que define um único grupo de locais em área nobre (área de picking), neste caso mercadoria armazenada no primeiro nível da estrutura porta palete, a qual não necessita de empilhadeira para a movimentação, sendo reabastecido periodicamente por meio de ressuprimento automático com os estoques da área não nobre (área não picking), nível superior
que necessita a utilização de empilhadeira;
▪ No ressuprimento automático o sistema respeita a priorização de saída do item mais antigo – First Expire First Out (FEFO), traduzindo, primeiro que vence é o primeiro que sai – gerenciando as mercadorias do estoque de acordo com o prazo de validade. O sistema informa ao operador de
empilhadeira os locais de origem e destino a serem transferidos, a fim de manter a área de picking
com a quantidade necessária para o atendimento dos pedidos;
▪ Com a movimentação de itens somente no local cativo, a facilidade de contagem na área não
picking devido à padronização das quantidades acelera os processos de análise de divergência de separação e contagem durante o inventário rotativo, garantindo uma melhor acuracidade de estoque;
▪ Na implementação do local cativo o sistema foi parametrizado para priorizar o armazenamento de cada SKU o mais próximo de seu local cativo, acelerando o processo de ressuprimento e facilitando a contagem de um SKU. Para isso foi realizado planejamento na escolha dos locais cativos respeitando o giro, o volume e as características de coleta e ressuprimento de cada SKU;
▪ Para os produtos sem o código de barra foi criado, no ato do recebimento, um procedimento interno para a identificação de cada SKU com o código interno, identificando também o lote e a validade, garantindo o correto armazenamento, separação, contagens de inventário e análises de divergências.
Resultados obtidos
O Gráfico 1 demonstra a melhoria na acuracidade de estoque, atingindo o índice de 99,98% no último inventário (dezembro de 2008), com 0,03% acima das melhores práticas de mercado. Como todo e qualquer plano de melhoria contínua, os resultados mais significativos ocorreram nos primeiros meses de implantação. Isso devido à utilização de técnicas para a identificação dos impactos de cada causa e a priorização das ações a serem realizadas. O incremento do programa de qualidade e de melhoria contínua, que já fazem parte do plano estratégico da empresa, somado ao comprometimento da equipe e posicionamento sistêmico e continuado pela equipe de TI, realizando as melhorias em tempo hábil e preciso, em sincronia com as alterações dos processos operacionais, formaram o lastro fundamental para o crescimento continuado e a correta implementação das ações planejadas, evitando o retrabalho por meio do acompanhamento in loco em cada etapa do projeto.
A parceria com o cliente em uma relação transparente, honesta e profissional complementou para consolidar os resultados obtidos de modo sustentável. Para o cumprimento das melhores práticas de mercado, os principais diferenciais se encontraram na atenção, na persistência aos detalhes e na constante quebra dos paradigmas operacionais.
Referências Bibliográficas
▪ Ballou RH. Business Logistics/Supply Chain Management. 5th edition,2004, P.
▪ Brasil. TigerLog Consultoria e Treinamentos em Logística Ltda. KPIs. 2009.
Fonte:http://www.racine.com.br/setor-industrial/portal-racine/setor-industrial/industria-de-produtos-medicos/correlatos/acuracidade-de-estoque-em-logistica-de-medicamentos-e-produtos-para-a-saude